Comunicação escrita: como o hábito de escrever pode melhorar as relações de trabalho
“Eu sobrevivi a mais uma reunião que poderia ter sido um e-mail”. “Estou te ligando, porque é mais fácil falar do que digitar”. Essas duas frases — que parecem ter se tornado mais comuns do que nunca em tempos de pandemia, trabalho remoto e isolamento social — carregam algo grandioso em comum para o qual você pode nunca ter se atentado: a importância da comunicação escrita para as relações interpessoais.
Seguindo minha missão de utilizar esse espaço para falar sobre a escrita e o processo de produção de conteúdo, decidi escrever sobre esse tema que, apesar de ter muita afinidade com o mundo corporativo, também pode ser aplicado em qualquer outra área da nossa vida.
Meu objetivo aqui é, mais uma vez, reforçar o poder que um texto carrega e explicar por que a cultura da comunicação escrita pode otimizar processos e resultados, aumentar a produtividade e, acima de tudo, melhorar relações.
Confira abaixo alguns fatores que colocam a comunicação escrita como ferramenta fundamental na relação entre as pessoas.
Clareza e precisão na comunicação
Por mais que muita gente tenha mais facilidade em se expressar falando do que escrevendo, a tendência é que as pessoas pensem mais antes de uma comunicação escrita do que de uma oral. Uma mensagem escrita, diferentemente de uma falada, pode ser revisada antes de ser transmitida e isso, sem dúvida, garante mais qualidade à informação e evita possíveis ruídos.
Além disso, a gente precisa levar em conta que, ao escrever, não é possível acompanhar em tempo real a reação do receptor da sua mensagem — o que acontece em uma ligação ou em uma videoconferência, por exemplo — e, por isso,é preciso ser o mais claro possível para garantir o correto entendimento. Quanto maior a clareza, mais acertada a interpretação, afinal!
Por conta disso, adotar a escrita como forma de repassar uma informação nos obriga a sermos mais precisos na comunicação, visando garantir que a mensagem será interpretada da forma correta e atingirá seu objetivo.
Informações documentadas e buscáveis
Quantas vezes, antes de dar início a uma atividade, você se pegou buscando na sua memória tudo o que já foi dito sobre aquela tarefa ou assunto em outros momentos. Se você não for como eu e não tiver um caderninho a tiracolo para te ajudar nessas situações, a situação pode ser ainda pior.
Eis, então, mais uma das grandes vantagens da comunicação escrita.
Enviar uma mensagem por escrito faz com que as informações repassadas fiquem documentadas. E documentação, a gente já sabe, minimiza erros e ajuda a reduzir os ruídos na comunicação. E, vale lembrar: documentação boa é documentação atualizada!
Outro ponto muito importante é a possibilidade de buscar a informação em questão quantas vezes for preciso e a qualquer tempo. E não na memória! Buscar na caixa de e-mails, na pasta compartilhada do drive, no histórico de conversas do chat.
Exigir que alguém se lembre de uma informação importante que você passou numa call rápida de alinhamento, no áudio do WhatsApp ou durante o cafezinho no meio da tarde é, pra dizer o mínimo, cruel. A meu ver, inclusive, a importância dada a uma informação está diretamente relacionada ao contexto no qual ela foi inserida e a relevância da forma que ela foi transmitida.
Em resumo, adotar uma comunicação por escrito, e no tempo certo, ajuda a manter todos os envolvidos na mesma página em relação à importância e ao status da informação. Todas essas questões passam, inclusive, pelo conceito de Gestão de Conhecimento, mas isso é assunto para outro post.
Respeito ao tempo do receptor
Esse é, para mim, um dos pontos mais importantes quando se pensa em cultura de comunicação escrita.
Já disse anteriormente o quanto o emissor da mensagem tende a pensar mais antes de escrever do que de falar, certo? Quando levamos isso para o contexto do receptor, a importância da comunicação escrita ganha uma proporção ainda maior.
No mundo corporativo, e especialmente em tempos de trabalho remoto, é preciso ter algo em mente: não é porque as pessoas estão trabalhando ao mesmo tempo que elas precisam estar trabalhando na mesma coisa ao mesmo tempo.
Sabe aquela call rápida que você faz com um colega, um líder ou um liderado só para alinhar um assunto? Pois esse assunto pode pegar a pessoa em questão em um momento no qual ela está ocupada com outro tema e atividade. E, mesmo que seu assunto seja importante, certamente o espaço que ele vai ocupar na mente do receptor tende a ser menor do que o necessário ou do que seria se o receptor tivesse tido acesso à informação em um momento mais oportuno para ele.
Uma comunicação escrita, estruturada e compartilhada por meio dos canais adequados possibilita um alinhamento e uma tomada de decisões não-simultâneos. E sabe o que isso garante? Respeito ao tempo de cada um! Não é preciso discorrer sobre a importância disso, imagino.
Comunicação escrita como parte da cultura e não como regra
Desde a introdução deste artigo, eu tenho falado da comunicação escrita como cultura, exatamente para reforçar o quanto acredito que todos os aspectos apresentados aqui podem ser transformados em boas práticas na comunicação interpessoal. Boas práticas, e não regras!
É óbvio que há casos e casos e que algumas vezes será mesmo mais efetivo compartilhar a informação oralmente, seja em uma reunião, em uma call rápida, em uma ligação ou até em um áudio de WhatsApp. Especialmente, quando for preciso garantir que todas as pessoas tenham acesso àquela informação rapidamente.
Mas, cuidado! Eu acredito demais na máxima de que “o urgente não deixa tempo para o que é importante”. E, nesses casos, a urgência de compartilhar uma informação pode acabar deixando de lado o peso e a importância que ela tem.
Nessas situações, o mais adequado pode ser comunicar em um canal que permita uma comunicação em tempo real e, posteriormente, formalizar por escrito o que foi dito. Com isso, você garante que as pessoas tenham tempo e condições de voltar àquela informação quantas vezes for preciso — documentação é importante, lembra?
A cultura da comunicação escrita da Amazon
Que a Amazon é uma referência mundial no mundo corporativo — e no comércio eletrônico, claro — todo mundo sabe. O que pouca gente tem conhecimento é que a empresa fundada e comandada por Jeff Bezos, possivelmente o maior executivo do mundo, tem uma cultura de comunicação escrita bastante peculiar.
No dia a dia da Amazon, power points ou qualquer coisa semelhante a isso são proibidos em reuniões. De acordo com a metodologia criada por Bezos, esse tipo de formato faz com que a informação esteja centralizada apenas na cabeça de uma pessoa (o dono da reunião) e essa não pode ser a lógica em uma empresa que quer ser bem-sucedida.
Lá, funciona da seguinte forma: o profissional responsável pela reunião precisa escrever um memorando de seis páginas, detalhando os tópicos a serem debatidos e o objetivo daquele encontro. Os primeiros 30 minutos da reunião são utilizados para que todos os participantes leam o documento e façam anotações a respeito dele. Percebe como isso contribui para que todos estejam na mesma página no momento da discussão?
Como a comunicação escrita permite que as pessoas tenham mais tempo para pensar, a proposta de Bezzos visa tornar a reunião mais produtiva e efetiva, uma vez que, estando todos alinhados antes do início da discussão oral, é possível investir mais tempo na tomada de decisão. E uma decisão na Amazon, arrisco dizer, pode valer milhões — logo, quanto mais rápida, melhor!
Além disso, eu não consigo deixar de pensar que um funcionário da Amazon, ao terminar esse memorando de seis páginas, deve parar e pensar: “tendo em vista que já escrevi tudo isso, essa reunião é mesmo necessária ou eu poderia tratar do assunto por e-mail?”. Se esse autoquestionamento fosse feito mais vezes, inclusive, posso apostar que muitas horas gastas em reunião poderiam ser revertidas em trabalhos mais produtivos.
A metodologia do memorando foi mencionada por Jeff Bezos em uma carta enviada aos acionistas da empresa em 2017 e, pra mim, apenas a existência dessa carta seria suficiente para comprovar a importância que o executivo dá para a comunicação escrita. O hábito de escrever para os acionistas, inclusive, é praticado por Bezzos anualmente, quando ele compartilha, por meio de uma carta, os grandes marcos da empresa no último ano. Aposto que você pensou que a melhor forma de fazer isso seria em uma reunião de resultados (com power point!), certo?
Eu já disse em outras oportunidades o quanto acredito no poder da escrita como ferramenta de autoconhecimento e isso também é válido quando pensamos em uma cultura de comunicação escrita no mundo corporativo. Escrever o que você tem a dizer a alguém é uma forma de organizar melhor os seus pensamentos e de ter tempo para se certificar que a mensagem está sendo transmitida da maneira mais adequada.
Que fique claro: o meu objetivo aqui não é defender o fim das calls de trabalho, das conversas importantes na mesa de bar ou dos áudios de WhatsApp entre os amigos (quem costuma receber meus “podcasts” pode testemunhar a meu favor). A proposta é fazer uma reflexão sobre a forma como as informações importantes estão sendo compartilhadas e o quanto as relações podem estar sendo prejudicadas por isso, especialmente em tempos de trabalho remoto e isolamento social.
De alguma forma, esse texto fez sentido para você? O que você pensa sobre comunicação escrita versus comunicação oral nas relações interpessoais, especialmente em um contexto profissional? Eu vou adorar saber sua opinião a respeito!